Por dentro da turnê mundial do Foo Fighters

Os dias se dividem em duas partes para o Foo Fighters. É bastante simples, Dave Grohl me diz enquanto encomenda uma garrafa de saquê e pega um bocado de sushi no jantar: uma é beber em dia de show, a outra é beber em dia de folga. Tudo depende do tempo, sabe. As 24 horas passadas se resumem em garrafas de cerveja abertas durante a passagem de som (e mais além), e essas últimas foram um tempo livre para todos. O que isto significa, na realidade, é que uma das maiores bandas de rock do mundo vai fazer um photoshoot no telhado do Hotel Hyatt, em São Paulo, um pouco embriagada. “Viemos bebendo champanhe durante todo o voo até aqui”, diz o guitarrista Pat Smear quando somos apresentados, “então isso vai ser divertido”.

Uma vez beberrões em proporções épicas (10 shots por pessoa já foi o ritual pré-show), se os Foos parecem um pouco maduros demais agora, vale a pena citar o seu meio de viagem para a maior cidade do Brasil: jato particular. Esses caras sabem curtir o estrelato do rock, mas isso não quer dizer que eles deixam o ego tomar conta e passar por cima das demandas do fotógrafo.

“Eu odeio fazer sessões de fotos,” Grohl explica mais tarde, cuidadosamente alinhando três cigarros ao lado de sua cerveja. “Agora, aos 46 anos de idade, estou tipo, ‘Posso apenas sorrir?’. Dias atrás, entramos no local de show no Chile, e o pôster desse show parecia uma foto do elenco de Friends, porque estávamos sorrindo e nos abraçando. Sempre estamos rindo”.

Para ser justo, há muitos motivos para sorrir. Antes um desistente do ensino médio que trabalhava em um depósito de móveis, as coisas logo tomaram um rumo melhor: Grohl entrou em turnê com a banda de hardcore Scream, tocou bateria no Nirvana e, finalmente, tomou o centro do palco com os Foos, ao lado dos guitarristas Smear e Chris Shiflett, o baixista Nate Mendel e o baterista Taylor Hawkins (depois de anos de membros rotativos, este line-up não se alterou nos últimos 10 anos). Isso foi há 21 anos. Oito álbuns e 22 milhões de discos vendidos em todo o mundo depois, a banda está atualmente na parte sul-americana de uma turnê mundial.

Serão três horas de um setlist bem feito do Foo Fighters, mas também uma oportunidade de testar seu oitavo álbum, Sonic Highways, na estrada. A série de mesmo nome que acompanha o CD é um follow-up de seu Sound City (2013), e é uma turnê de oito partes em cidades norte-americanas que contam com uma cena musical histórica.

Grohl dirigiu e realizou entrevistas com um espectro de colegas e lendas, incluindo Dolly Parton, Pharrell Williams e (para lhe dar uma ideia dos amigos do homem) Barack Obama. Sabendo que ele queria que o presidente fosse o “ponto de exclamação” em uma história sobre a música americana, ele simplesmente “pediu para alguém ligar para a Casa Branca”. “Foi tão casual quanto essa entrevista agora”, continua ele. “Você nunca se esquece de que você está conversando com o presidente, mas parece que você está falando com uma pessoa real também”.

 

ALÉM DO GRUNGE

A história do Foo Fighters começa em 1994. Em abril daquele ano, o colega de banda de Grohl, Kurt Cobain, morreu após atirar com uma espingarda em sua própria cabeça. Na época, Grohl se recusou a falar sobre os eventos que cercam o suicídio de seu amigo, “mas tudo bem agora”, diz ele, quando eu timidamente abordei o assunto. Continuar o Nirvana sem Cobain nunca foi uma opção para Dave e o baixista Krist Novoselic, mas com o fim repentino do Nirvana, uma nova banda começou a se formar. “O que eu tenho a perder? Eu não sinto que eu poderia fazer nada de errado, porque eu não tinha mais nada”, Grohl disse a um jornal em 2011. O baterista estava escrevendo músicas e lançou um álbum em 1995, tocando todos os instrumentos: sete álbuns seguiram o exemplo. Mas ser um frontman foi um papel que ele teve que desenvolver em si próprio.

“Quando eu comecei, eu não sabia como ser um líder ou um cantor”, diz ele. “Eu estava apavorado pra caralho. Depois do Nirvana, eu sabia que podia tocar bateria para o resto da minha vida, mas eu era muito jovem quando a banda acabou. Eu não queria apenas ser um baterista de aluguel”.

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Uma coisa que Grohl nunca fez com o Foo Fighters é tocar canções do Nirvana. Será que ele já mudou de idéia? “De jeito nenhum”, diz ele, com a voz notavelmente mais tranquila. “Aquela música e aquelas canções têm um lugar tão especial na minha vida, porque elas eram a minha vida. A diferença fundamental entre Nirvana e Foo Fighters é que essa banda sempre foi uma celebração do futuro. O Foo Fighters foi concebido para manter o disco tocando, para nos manter vivos”.

Quando o novo corte de cabelo de uma celebridade é base para meia dúzia de novas matérias, a dominação cultural pré-internet do Nirvana parece coisa de outro mundo. Em nosso mundo de interação instantânea, será que a banda teria o mesmo impacto? Será que o Nirvana até mesmo existiria nos dias de hoje? Grohl não tem dúvidas em sua mente. “Se fosse com músicas do Kurt, sim. Essa é a razão pela qual o Nirvana ficou popular: as letras do Kurt, sua voz e suas canções. Eu acho que teria tido o mesmo impacto, porque ele era um compositor incrível pra caralho”.

O próprio Grohl não é ruim também. Após críticos definirem os primeiros discos como “parecido com Nirvana, mas não tão bom”, ele agora pode alegremente apontar para seus 13 Grammy Awards (e mais uma indicação a Banda Internacional no Brits deste ano). O vocalista talentoso em seu próprio mérito surgiu, e tomou o seu lugar de direito na linha da frente do Foo Fighters.

SACUDINDO A POEIRA

No dia em que a banda chega, a segurança dá um passo a frente. Guarda-costas intimidadores aparecem: na recepção, à beira da piscina, no elevador. Legiões de fãs começam filas em frente ao hotel, na esperança de um vislumbre. O entusiasmo é palpável, tocável. Um homem me pergunta se algum músico vai se hospedar no hotel, e sua reação quando eu disse a ele, diz muito sobre os fãs desta banda: “Você está zoando? Eu amo essa banda pra caralho”.

Hawkins, um loiro enérgico e desengonçado que compartilha do entusiasmo de Grohl para praticamente tudo, concorda. “Eles são loucos”, ele sorri. “Nós estávamos em Buenos Aires, e havia 300 fãs fora do hotel. Nós não somos esse tipo de banda. Nós não somos o One Direction. Eu não entendo como eles sabem as palavras”.

Esta vertiginosa atitude de eu-não-acredito-nisso permeia toda a banda. Apesar de seus 20 anos em sua carreira com os Foos, Dave Grohl ainda se surpreende genuinamente de conseguir lotar estádios com sua banda. “Estou encantado. Não nos desviamos de onde começamos. Se você colocar cinco de nós num quarto, ainda poderíamos estar em 1996”.

Aqui reside um ponto interessante sobre a popularidade gigantesca do Foo Fighters. Eles têm bombado com hits do rock (“Walk”, “Everlong”, “Times Like These”, “Best Of You”) desde 1995. É, evidentemente, uma fórmula vencedora. Mas quando você esteve em bandas que definiram uma geração e que não o fazem, ou não se afastarão muito do pop rock de riffs, não começa a faltar uma certa empolgação depois de tanto tempo?

“É por isso que fizemos o Sonic Highways”, explica Grohl. “Eu pensei que seria mais interessante fazê-lo de uma maneira que nunca tinha sido feita. Uma vez que você sente que está preso no mesmo lugar, é aí que se torna monótono”.

Ele já se sentiu assim? “Não. Mas você tem que fazer um esforço para garantir que isso aconteça. É uma das grandes coisas sobre a era digital. Como a coisa do U2, as pessoas consideraram aquilo um fracasso, mas eles tentaram algo que ninguém tinha feito antes, e se funcionou ou não funcionou, não importa necessariamente. Quem mais poderia fazê-lo? O que o U2 vai fazer? Ir para o estúdio e fazer outro disco? Tenho certeza de que eles se sentem da mesma maneira. Eles estão procurando maneiras de mudar o processo, para mantê-los vivos, assim como nós estamos”.

Afinal, eles conseguiram, complacência certamente não é uma palavra que você usaria para descrever esta banda. “Como não poderia ser emocionante ainda?”, diz Hawkins. “Você teria que estar muito esgotado. Estamos vivendo a nossa fantasia de infância. Quando eu era criança, eu olhava para os discos do Alice Cooper e do Queen, ou entrevistas na revista Creem e pensava, ‘Como você faz isso?’. E agora somos nós”.

Quer se trate de estádios lotados ou show mais íntimos, se você estiver querendo ver o Foo Fighters em qualquer lugar do mundo, a América do Sul é, aparentemente, o melhor lugar para fazê-lo.

“Você já viu shows aqui?”, pergunta Grohl. “Você vai surtar pra caralho. Vai perder a cabeça. Apenas espere”.

 

OLÁ, SÃO PAULO!

Estou sentado na parte de trás de um carro todo escuro, sendo seguido por cinco policiais. À minha esquerda, direita e ainda mais à frente, motos com policias de colete à prova de balas aparecem. Gritos de sirene por todos os ângulos. Felizmente, eles não estão atrás de mim, mas sim escoltando o Foo Fighters para o estádio; separando os carros na estrada como uma espécie de Moisés brasileiro.

Chegando cedo, eu vou lá fora para atender os fãs que formam filas fora do Estádio do Morumbi desde as 10 da manhã. Um desses fãs é Pedro Castro, de 25 anos, que viajou durante a noite de Londrina (oito horas de viagem) para garantir sua posição privilegiada contra as grades: “Da última vez que eu vi o Foo Fighters, eu não fui ao banheiro durante 11 horas. Eu não queria perder nada”. Para aqueles que ainda acreditam que os fãs do Foo Fighters são simplesmente amantes do Nirvana que desejam qualquer coisa relacionada ao Kurt, a realidade não poderia estar mais longe da verdade. Cada pessoa que eu falo fica ou perplexa com a menção da antiga banda de Grohl ou simplesmente não está interessada. “Eu amo a energia deles”, Castro me diz. “É mais do que música, eles são uma entidade”.

Finalmente, as luzes se apagam e os gritos ensurdecedores são ouvidos de todo o estádio. Enquanto a banda entra com o riff de “Something From Nothing”, de repente eu entendo o que cada Foo Fighter havia me dito antes: o chão está tremendo sob o peso de fãs pulando de cabeça no meio da multidão; o equipamento atrás de mim está balançando para frente e para trás. Fãs sul-americanos certamente não deixam a desejar.

Atirando hit após hit, Grohl está no seu melhor carisma: “Vocês são barulhentos pra caralho e eu gosto disso”. Uma vez que “Monkey Wrench” é tocada, a banda desaparece, e aí é apenas o público, o vocalista e sua guitarra. A noite cai e a visão de milhares de luzes de smartphones é de tirar o fôlego. Grohl convida um jovem para o palco, que se volta para sua namorada e pergunta: “Monica, você quer se casar comigo?” (“Nós não planejamos isso, eu juro”, o manager John Silva me conta.).

A banda aparece atrás de Grohl e de repente eles estão juntos novamente. Permanecendo agrupados no mini palco, eles parecem menores, mas você percebe como eles sobreviveram a uma indústria de música ridiculamente inconstante e saíram pelo outro lado, sorrindo. Enquanto eles passam uma garrafa de champanhe para frente e para trás, eles poderiam estar tocando para 13.000 pares de olhos, ou simplesmente serem cinco caras tocando em uma garagem.

 

LUTANDO MAIS AINDA

De volta ao hotel, pergunto a Grohl se ele alguma vez imaginou que se tornaria um dos músicos mais bem sucedidos do mundo. “Quando eu era jovem, meu maior objetivo era ser o melhor baterista na nossa cena punk local. Eu nunca imaginei que eu iria para Nova York ou Los Angeles, porque eu era um adolescente que cortava grama para conseguir dinheiro pra maconha antes dos shows. Eu não tinha qualquer tipo de visão de carreira. Era tipo, ‘Quando tocarmos na sexta-feira à noite, eu vou ‘rasgar as cabeças’ de todo mundo”.

Com o Foo Fighters em breve chegando à sua terceira década, Grohl se aproximando dos 50, e o nono álbum já planejado, é seguro assumir que eles estarão “rasgando as cabeças” das pessoas por muito mais tempo.

Fonte: ShortList Magazine
Tradução: Stephanie Hahne
Fotos: Danny North / Marcos Hermes / Divulgação