#FF20 | De volta ao Foo-turo: 20 anos depois, a história do primeiro show público do Foo Fighters

Não acontece muita coisa em Arcata. Uma cidade universitária de 17.000 habitantes no norte da Califórnia, quando termina o semestre e os estudantes voltam para suas casas, ela esvazia e atinge um estado quase de calmaria, como afirmam os locais. “Chernobyl com sol e uma loja de alimentos saudáveis”, disse um residente, fazendo piada. No entanto, ela já teve seu espaço na fama. Há 20 anos nesta semana, a cidade tornou-se uma nota de rodapé na história da que talvez seja a maior banda do planeta. De acordo com Dave Grohl, o Foo Fighters ainda era “apenas uma ideia, uma bem desconexa e casual”, quando em 23 de fevereiro de 1995, fizeram seu primeiro show – um set improvisado no Jambalaya Club, em Arcata, abrindo para uma banda cover local, que resultou em caos. Centenas de pessoas caçavam ingressos lá fora. Aqueles que não entraram, cercaram o local, empilhando-se uns em cima dos outros para espiar pelas janelas altas do Jambalaya, tentando ter apenas um vislumbre do ex-baterista do Nirvana. G Street, a estrada que leva até o local, teve que ser isolada devido à histeria. “Nós não estávamos prontos para nada disso”, brinca Grohl, duas décadas depois. “Pelo que me lembro, foi bastante surreal, muito porra louca”.

Dez meses haviam se passado desde a morte de Kurt Cobain: um choque que, assim como a dor, acendeu uma nova determinação em Grohl. No Nirvana, nas últimas turnês, ele fazia pequenos rascunhos à caneta de canções pop rock no backstage, aproveitando o tempo livre entre a passagem de som e os shows. Em um estado de depressão após o suicídio de seu companheiro de banda, Grohl decidiu, em seu desespero, que gravar essas músicas no vizinho Robert Lang Studios, a uma curta distância de sua casa em Seattle, poderia “talvez ajudar a limpar aquela névoa na minha cabeça”, ele disse à NME. “Foi definitivamente uma espécie de catarse para mim.” Ele gravou sozinho, mas teve ajuda na produção vinda do velho amigo Barrett Jones, tocando cada instrumento sozinho, gravando quatro músicas por dia, terminando o que se tornou o primeiro álbum homônimo do Foo Fighters em uma semana.

No momento em que as músicas estavam sendo mixadas, nos climas mais ensolarados da Califórnia, a coisa estava começando a ficar séria naquilo que começou sendo “divertido, apenas uma experiência”, mas era agora “muito mais sério”. Grohl montou uma banda, dois dos quais ainda estão no Foo Fighters hoje – o guitarrista de turnê do Nirvana, Pat Smear, e o baixista na banda cult de Seattle que foi a pioneira do estilo emo, Sunny Day Real Estate, Nate Mendel. Viajando para o estúdio onde o álbum foi sendo finalizado, a banda começou a procurar lugares onde poderiam fazer o seu primeiro show público o quanto antes. Os proprietários do Jambalaya pensaram que fosse uma piada quando receberam o telefonema. Dave Grohl queria tocar com sua nova banda na noite seguinte? Um homem que, com o Nirvana, catalisou a religação total do rock – a partir do glamoroso e cheio de cabelos de poodle rock dos anos 80 para o niilismo violentamente cru do grunge, a definição de uma geração – queria estrear seu aguardado novo projeto no Jambalaya, que comporta apenas 220 pessoas? Na sonolenta Arcata?

“Eu não conseguia acreditar naquilo”, diz Bob Doran, um colunista do jornal local Arcata Union, que informou sobre o show. “Mas ficou claro naquela noite que era exatamente aquilo que Dave queria. Era mais sobre voltar às suas origens de banda de garagem”. O cerco do Nirvana na cultura pop americana a partir do Nevermind, de 1991, levou o jovem de 26 anos a lugares estranhos – desde o tapete vermelho do MTV Video Music Awards de 1992, para as luzes brilhantes do estúdio do Top of the Pops, para as fofocas de revista, e até a CNN. Grohl de repente se sentiu distante da cena punk-faça-você-mesmo na qual ele cresceu, obcecado por fanzines e tocando em bandas da escola, e queria voltar para “a razão pela qual eu entrei nisso tudo em primeiro lugar, novamente”, como ele mais tarde disse à Rolling Stone.

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Jornal local noticiando o show do Foo Fighters

“Eu acho que é por isso que ele cuidou da tenda de merchandise naquela noite, vendendo camisetas caseiras feitas em sua van por 3 dólares… por que ele estava falando com todo mundo, por que ele e a banda continuaram lá e assistiram à outra banda depois de algumas cervejas,” continua Doran. Após o circo que envolvia o Nirvana, Grohl ansiava pela normalidade. Como ele mesmo diz em “Wattershed” sob uma tempestade de guitarras a lá Minor Threat, ele desejava voltar a ser “skinny as a spit pan, dealing with a shit plan, in just another rock band/magro como uma cuspideira, lidando com um plano de merda, em apenas mais uma banda de rock”.

A notícia se espalhou rapidamente. Não se sabia muito sobre o Foo Fighters naquela altura – só que a banda continha ex-membros do Nirvana, havia assinado um contrato com a gravadora de Los Angeles Capitol para lançar um álbum e soava, ou assim diziam os boatos, como “um Beach Boys do hardcore”. Isso não impediu que centenas de pessoas se reunissem na frente do local horas antes do show, mesmo sem saber se aquilo era verdade ou apenas uma pegadinha.

“O Jambalaya costumava ter essas janelas com uns dois metros de altura. Em um ponto, quando eu estava lá dentro, tendo chegado lá às seis da tarde para conseguir entrar, eu olhei em volta e vi cada espaço da janela ocupado. Deve ter pessoas nas costas das pessoas”, lembra Johnny ‘Red’ Ferrington, um residente local de Arcata que conseguiu entrar. “Eles tiveram que fechar a G Street. Havia tantas pessoas lá fora que não puderam entrar. Arcata era tão pequena que nem vendiam pizza aos pedaços aqui, ainda mais esse tipo de coisa, foi bem estranho”.

A banda entrou no palco em torno das 9 da noite, e tocaram por “cerca de uma hora”. Margaret Malone, uma fã que foi ao show com Ferrington, diz que, apesar de o público não conhecer as músicas, havia uma sensação instantânea de que “algo obviamente estava acontecendo naquela noite. “Eu era uma grande fã do Nirvana, mas aquilo foi totalmente diferente. Eles arrebentaram, eles tocaram alto e pesado, Dave estava pulando sem medo pelo palco, um frontman natural, mas eram canções pop. Lembro-me de ter sido atingida pelo quão corajoso aquilo era,” ela diz a NME. “O que você tem que lembrar é que o pop não era legal naquela época. O Nirvana fez com que, assim que você ligasse o rádio, ouvisse bandas mais obscuras e desleixadas. Mas estas eram canções ótimas, movidas à melodia”. Ferrington e Malone, à época, acabaram encontrando Grohl e sua banda em um boliche nas redondezas. “Dave é um jogador de boliche bom pra caralho, caso você esteja se perguntando,” diz Red.

Entre as faixas tocadas pela primeira vez naquela noite, estavam “Floaty”, “This Is a Call”, “Big Me”, “Wattershed” e “I’ll Stick Around”. “Eles estavam drasticamente mal ensaidas”, o baixista Nate Mendel disse à NME. “Uma bagunça. Mas nós conseguimos. Em um ponto, o pedal de bumbo quebrou. Mas também passamos por isso de boa”.

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Foo Fighters com o The Unseen na noite do show

Entretanto, o trabalho de Grohl naquela noite não terminou junto com o show do Foo Fighters. “Nós éramos uma banda de rock meio retrô que tinha algumas [músicas] originais, mas que fazia um monte de covers. Elvis Costello, The Beatles, esse tipo de coisa”, diz Ed Pierce do The Unseen – a banda para qual os Foos estavam abrindo naquela noite. “Nós esperávamos que eles tocassem algumas músicas, fossem esnobes e fossem embora, mas eles ficaram toda a noite e nos assistiram. Foi muito estranho tocar enquanto Dave Grohl grita pedidos de música para você. Nós acabamos convidando-o para tocar bateria em um cover de “Slow Down”, a canção de Larry Williams que os Beatles tocaram e tornaram famosa. Ele absolutamente arrebentou. Dizer que foi um momento memorável para nós é um eufemismo”.

Os próximos shows do Foo Fighters no Reino Unido em junho, apenas para colocar a estranheza desta noite em Arcata em perspectiva, incluem duas noites no Wembley Stadium, em frente a um apanhado de 172 mil fãs. Isso é mais de 100 vezes a população da cidade. “Eles são tão grandes agora, então naturalmente as pessoas em Arcata são muito orgulhosas de que um pedaço da história desta enorme banda aconteceu no quintal deles”, diz Malone. “Eu acho que, mesmo assim, ficou claro que essa não era só a nova banda do cara do Nirvana. Era o seu próprio animal, vindo de algum lugar real, algum lugar autêntico. Havia algo no ar, definitivamente”.

Matéria original: NME
Tradução: Stephanie Hahne