Como o desconforto criativo deu gás à “Sonic Highways”, do Foo Fighters

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Dave Grohl conta como Sonic Highways – metade álbum, metade série – foi um exercício para sair da zona de conforto.

 

Para uma banda como o Foo Fighters, que durante sua carreira de 20 anos gravou oito álbuns de estúdio, o processo de entrar em estúdio para criar um novo disco é uma experiência familiar. Mas para processos criativos, a familiaridade pode ser um problema sério. Se há uma coisa que nunca deve ser feita de forma mecânica, isto é fazer música. Então, ao contemplar uma abordagem criativa para o novo álbum da banda, o vocalista Dave Grohl optou por tornar a experiência desafiadora e desconfortável, mas o mais criativamente estimulante possível.

A ideia: gravar cada faixa para o novo álbum em um estúdio diferente, em cidades musicalmente influentes diferentes, permitindo que a vibe e os colaboradores de cada uma infectem e influenciem o processo de compor músicas. E, claro, filmar tudo isso.

O resultado é Sonic Highways, um projeto pretensioso. Há também o álbum Sonic Highways, que nasceu da série de TV, e depois há a oito episódios da série que documentam a confecção deste álbum. Mas, principalmente, é uma janela para um processo criativo frequentemente invisível e com uma química criativa maravilhosa.

 

 

Grohl diz que o conceito para o ambicioso projeto surgiu de Sound City, um documentário de longa-metragem que se seguiu à gravação do álbum anterior do Foo Fighters. “Com o último álbum, em vez de fazer um novo disco no estúdio, eu queria desafiar a banda, colocando-nos em um ambiente desconhecido e tentar algo novo. Então, nós construímos um estúdio na minha casa, na minha garagem – eu queria ver se o ambiente influenciaria o resultado. Isso sempre acontece.”, diz Grohl por telefone de Chicago.

“O Sound City excedeu as expectativas de todos e o feedback que recebi foi que as pessoas foram inspiradas por essas histórias de músicos e das pessoas que dirigiam o estúdio. Então chegou a hora de fazer um outro álbum do Foo Fighters e eu pensei, bem, nós não podemos simplesmente entrar em estúdio e fazer outro álbum apenas para sair em turnê. Precisamos fazer algo especial. Então eu coloquei esses dois conceitos juntos. Ao invés de apenas umestúdio, eu pensei por que não desafiar a banda em oito ambientes desconhecidos e, em seguida, contar as histórias de todos esses músicos e proprietários dos estúdios e as pessoas de cada cidade. Isso vai virando uma bola de neve sobre a história da música Americana e a relevância regional.”.

Ao longo da série de oito episódios, que vai ao ar na HBO nas noites de sexta-feira, Grohl e a banda viajam a Chicago, Washington, D.C., Nova York, Seattle, Nashville, Nova Orleans, Austin e Los Angeles, onde se instalam pelos estúdios que influenciaram a cultura musical da cidade, tais como Electric Audio de Chicago, que é comandado pelo “uma única vez” produtor do Nirvana, Steve Albini, ou o estúdio Inner Ear, em Washington D.C. Ao longo do caminho, Grohl conversa com lendas da música como Dolly Parton e James Murphy do LCD Soundsystem, Rick Nielsen do Cheap Trick, Ian MacKaye do Minor Threat, e Buddy Guy, entre outros.

Cada parada segue um rumo semelhante: a banda chega, se instala no estúdio e começa imediatamente a fazer algumas músicas, com entrevistas com artistas influentes intercaladas entre isso. Através dessas conversas, Grohl explora a história musical de cada cidade – pintando um quadro que ele chama de uma “carta de amor à música americana” – e se inspira enquanto compositor. No último dia em cada cidade, a banda grava uma faixa nova.

Como um processo criativo, ele é ao mesmo tempo estruturado e tem forma livre. A agenda apertada cria limites necessários, onde a letra e o espírito das novas canções ficam abertos até o último minuto. Aqui, Grohl fala sobre como o Sonic Highways, do álbum e a série, se formaram.

 

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Foto: Andrew Stuart

COMO UMA HISTÓRIA UNIVERSAL FOI CONTADA ATRAVÉS DE UMA NARRATIVA PESSOAL

 

Desde que a notícia da série Sonic Highways, produzida pela Therapy Content, tornou-se pública, Grohl diz que as pessoas têm lhe perguntado sobre o motivo da escolha dos lugares que ele visitou. Tipo, por que eles não foram a Detroit?

“Você já sabe sobre Detroit e a Motown”, diz ele. “Fizemos uma decisão de ir para os lugares e contar as histórias do povo que nem todo mundo está familiarizado. Steve Rosenthal tem um pequeno estúdio chamado Magic Shop. Eu acho que é o melhor estúdio do mundo. O que visitamos em Nova Orleans, não é nem um estúdio; é um salão de preservação do jazz. Então, você sabe, na hora de escolher as cidades, nós também tivemos que escolher lugares que detinham algum tipo de conexão pessoal ou relevância para nós. Chicago foi o primeiro lugar que eu vi uma banda tocar, eu fui inspirado a me tornar um músico ali. Washington, D.C. – eu cresci lá e eu não seria o mesmo músico se não fosse por lá; Seattle, eu fiz a música lá.”.

“O maior desafio é tentar contar a história da música de uma cidade em apenas uma hora. É simplesmente impossível. Então o que você tem de fazer é escrever uma história, uma história pessoal que passa dentro e fora de todos estes diferentes gêneros e todas estas diferentes décadas de música.”.

Foto: Andrew Stuart

Foto: Andrew Stuart

 

COMO O PROCESSO DE ESCREVER CANÇÕES SOLIDIFICOU A SÉRIE

 “O processo de escrever as letras é tipo o gancho de toda a série”, diz Grohl. “Nós não escrevemos as letras até o último dia de cada sessão, porque eu as escrevi em torno de todas as histórias dessas pessoas. Então, nós iríamos para uma cidade por uma semana, começávamos a gravar, e eu ia fazer estas entrevistas e aí, no último dia, eu teria todas as minhas anotações, as levava de volta para o hotel e escolhia palavras, expressões e frases para colocar no meu diário.”.

As entrevistas foram, de fato, conversas apaixonadas entre músicos talentosos que são igualmente vidrados em música e nostálgicos sobre a sua importância dela em suas vidas. “A minha primeira pergunta para qualquer um era “de onde vocês são””, diz Grohl. “Falamos sobre o lugar de onde eles vêm e como eles se tornaram músicos e como o lugar os influenciou como músicos. A ideia era falar não só sobre a sua história, mas também sobre a história da cidade e como isso influenciou a música daquela cidade. Mas eu não sou um jornalista, então eu apenas sentei para conversar com eles.”

 

Essa informalidade rendeu entrevistas mais honestas e reveladoras, de acordo com o produtor executivo Jim Rota. Porque Grohl estava se aproximando dos músicos como um colega, então eles abaixaram a guarda um pouco.

“Eu acho que é muito ousado quando alguém abre seu processo criativo para outras pessoas”, diz Rota. “É admirável se abrir e dizer que esta é a forma como a salsicha é feita. Ao manter a série honesta em termos de não ser roteirizada e criar situações para parecer um drama, ele realmente deu às pessoas uma perspectiva única em um processo que muitos não estão familiarizados, a menos que seja um músico ou esteja em uma banda. E por processo, eu não quero dizer que botões apertar para fazer as coisas acontecerem. Refiro-me ao processo criativo real. Eu acho que escrever uma canção é uma ótima maneira de juntar tudo isso.”.

 

Jim and John Foto: Andrew Stuart

Jim and John
Foto: Andrew Stuart

 

COMO A ESSÊNCIA DE UMA CIDADE SE INFILTRA NA MÚSICA

 Por que as cidades têm sons musicais distintos? Por que os estúdios têm um toque pessoal? Estas foram as questões que Grohl quis abordar em Sonic Highways e trazer para o álbum.

“O ritmo da cidade, o clima, as raízes históricas de cada cidade… todas estas coisas têm uma influência sobre o que você faz”, diz Grohl. “Se você vai para o estúdio mais extravagante do mundo para gravar um álbum, você provavelmente vai fazer um álbum sofisticado. Se você fizer um disco em uma sala de 200 anos de idade, no bairro francês de Nova Orleans, vai soar diferente. Há muitos fatores diferentes que influenciam a forma como a música soa. É talvez difícil para as pessoas entenderem, porque hoje em dia você pode pegar o computador, usar um menu de sons diferentes e montar algo que realmente não tem nada a ver com o seu ambiente.”.

Além da vibe, ele diz que os atributos físicos têm um distinto efeito sobre o som da música. Como a humidade, por exemplo. “A humidade em Nova Orleans afeta os instrumentos. Mesmo a umidade do ar vai afetar o som de um piano, porque a madeira e as cordas esticam. Ela afeta o som das buzinas,” diz ele. “Ou a chuva. A chuva é uma grande motivação. Ele atrai as pessoas para o interior e os faz ficar lá dentro. Uma das razões que havia uma comunidade tão vital em Seattle, porque ninguém podia se dar ao trabalho de sair para a rua.”.

Enquanto seria fácil supor que cada canção do álbum irá carregar marcas distintas do local em que foi criada, Grohl diz que é muito mais sutil do que isso.

“A nossa primeira prioridade foi fazer um grande disco do Foo Fighters. Esquecendo a série e o conceito dela, precisávamos fazer um grandioso álbum do Foo Fighters, primeiro de tudo. O que significava que não queríamos ir a cada cidade e tocar de acordo com o gênero de lá. Não queriamos ir para Nashville e fazer uma música country, e depois ir para New Orleans e fazer uma música de jazz. Queríamos ir a cada cidade e escrever uma música do Foo Fighters, mas também deixar a cidade nos dominar um pouco. Quando eu ouço agora, não soaria desta forma se tivéssemos feito isso de outra maneira, o que responde à pergunta do conceito.”.

 

Foto: Kevin Mazur

Foto: Kevin Mazur

COMO “SONIC HIGHWAYS” SE TORNOU UM ÁLBUM DE FOTOS VIVO

“Quando eu ouço qualquer um dos nossos álbuns, eles soam como folhas de diário, eles parecem álbuns de fotos para mim. Eu me lembro de tudo como memórias,” diz Grohl.

A realidade da maioria daqueles álbuns, no entanto, é que eles são diários que só podem ser lidoa por Grohl e sua banda. Já “Sonic Highways”, é um álbum compartilhado que requer experiência. “O público agora tem a mesma conexão com as músicas que a banda tem”, diz o produtor executivo do Therapy Content, John Ramsay.

“Imagine o quanto de filmagens nós temos. São dezenas de milhares de horas de imagens desde o ano passado. Isso é o tanto de memórias que eu tenho. Nova Orleans é um lugar mágico que vai mudar sua vida. Tipo, eu fiquei ligado a Nova Orleans por um bom mês; eu não conseguia tirá-la de mim,” diz Grohl. “E em algum lugar como Nashville – eu nunca soube muito sobre lá e agora é uma das minhas cidades favoritas na América. Nós gravamos no deserto, fora de Los Angeles. Passar uma semana sob as estrelas ao lado de uma fogueira com um baseado e um copo de vinho tinto é muito foda. Houve alguns bons momentos.”.

Fonte: Co Create
Tradução: Stephanie Hahne